terça-feira, 12 de julho de 2011

A ESPONTANEIDADE COMO FERRAMENTA DO ATOR CONVENCIONAL E DO ATOR DE IMPROVISO

Já que o assunto da hora é Teatro Espontâneo, aproveito a deixa, leitor, para apresentar um texto que escrevi já há algum tempo, versando sobre o assunto.  Divirta-se!

A espontaneidade como ferramenta do ator convencional e do ator de improviso


Não


Não sei se é um truque banal

Se um invisível cordão

Sustenta a vida real

Cordas de uma orquestra

Sombras de um artista

Palcos de um planeta

E as dançarinas no grande final





Certa vez, participei de um workshop, dirigido pela psicodramatista Maria Elena Garavelli, de Córdoba, Argentina e promovido pela Cia do Teatro Espontâneo, cujo título era “Trabalhando Grupos com Arte”. Dentre vários aspectos que foram abordados durante as atividades, um que me chamou a atenção fez referência às diferenças entre o ator convencional e o ator espontâneo ou, melhor designando, ator de improviso, quanto ao uso da espontaneidade em cena.

Quero mencionar que as diferenças conceituais que aqui apresento são na realidade diferenças técnicas e, proponho uma compreensão didática das mesmas especificamente no que alude à prática.

Começarei pelo básico dos básicos, esclarecendo a diferença acima mencionada: Ator, ator convencional e ator de improviso. O primeiro, por simples definição, é um artista que em sua prática, empresta seu corpo e sua voz para um personagem ganhar possibilidade de expressão pelo movimento e pela fala. No dicionário Aurélio, encontra-se a definição “agente do ato”.

O segundo, ao qual temos chamado de convencional, carrega em si as mesmas definições do anterior, apenas ganhando como acréscimo e especificação o fato de que desempenha sua arte num espetáculo estruturado, ao qual chamarei também de convencional. Este espetáculo é aquele em que o texto já foi escrito pelo autor, os personagens já tem seus traços particulares de personalidade, e, principalmente, o diretor define para os atores toda a marcação de cena, incluindo o movimento, a inflexão da fala, a intencionalidade, além de outros aspectos técnicos como trilha sonora, figurinos, iluminação, cenografia, entre outras coisas, sempre dentro da sua concepção estética. Isso quer dizer que o texto, a ação, o como e o quando representar em cada cena desse espetáculo, já foram todos predefinidos e serão devidamente ensaiados, decorados e integrados para a estréia e as sucessivas apresentações, que deverão ser iguais.

Por fim, o ator de improviso pode ser considerado como o que atua em espetáculos cujo texto, cenário, ação dramática, trilha sonora, iluminação, figurinos e adereços e muitas vezes até os personagens secundários da trama, são criados exatamente no momento da ação. Pode-se entender, pela similaridade da prática teatral, que o ator de teatro espontâneo é um ator de improviso.

Quero ressaltar que não tenho a intenção de propor novas definições ou novos rótulos para um mesmo elemento. Também não quero problematizar a figura do ator. O objetivo das classificações acima descritas é, em verdade, esclarecer aspectos de uma “especialização” que se vê em outros ramos profissionais e que facilitam sobremaneira a sua compreensão. Com efeito, um médico pode ser cardiologista, urologista, psiquiatra ou outra especialidade qualquer, mas não deixa de ser médico, o que na verdade representa a condição primeira para que a outra possa acontecer. Assim, também o ator pode ser um “especialista” em mímica, pantomima, improviso, teatro convencional, entre outras formas.  

Nos últimos anos, falando-se um pouco de estética e técnica teatral, o publico foi condicionado a aceitar determinadas práticas cênicas como uma forma de entretenimento, diversão e até mesmo como sinônimo de boa atuação num espetáculo. O contato e a comunicação direta com o público foi amplamente estimulado, sendo difícil, nos dias de hoje, assistir uma apresentação onde essa integração ator/personagem e platéia não aconteça. Aparentemente, esse contato oriundo do Teatro Interativo, traz a platéia parcialmente para a cena e para o espetáculo, observando-se que para alguns espectadores isso é extremamente agradável, assim como para outros não.



Também nessa linha interativa, um erro ocorrido num texto ou numa cena pode ser largamente aplaudido, desde que haja uma piada ou uma “gracinha” feita pelo ator que errou. Isso, hoje em dia, é confundido por alguns com uma atuação espontânea. É importante destacar que essa tática difere muito do improviso. Moreno fala do impromptu, (não pronto) ou imprevisto em cena, considerando que esse fato inesperado leva o ator a um momento criativo que é o improviso. Esse improviso, na realidade, não escapa do texto, mas sim, conduz o ator de volta à ele e à cena para que o espetáculo continue.

Mais ainda, os “cacos” inseridos nos textos vem, também, reforçar o engano de que essa representação está sendo espontânea. O caco é uma fala que originalmente não existia no texto, mas que, durante o período de ensaios, se encaixa e passa a fazer parte dele. Para Brecht, o caco seria uma reafirmação para a platéia de que aquilo que está sendo assistido não faz parte da realidade. É apenas ficção. Esta prática está ligada à uma concepção estática específica e difere muito das falas de improviso e das falas soltas e perdidas. Estas últimas ganharam o mesmo valor das “gracinhas” cênicas, pois garantem que esse será um espetáculo único, personalizado e que jamais haverá outro igual. E com isso, acreditam alguns que o ator é um ótimo profissional e que é muito espontâneo. Ledo engano!!! O espetáculo convencional exige que o ator seja, antes de mais nada, um instrumento afinado nas mãos do diretor, que executará sempre a mesma sinfonia, ou seja, um espetáculo tem, efetivamente, que ser igual ao outro. E se seus atores o conseguirem, aí sim, devem ser ovacionados e considerados bons, dentro dessa proposta teatral.   No teatro de improviso ou no teatro espontâneo, o ator deve, também, respeitar a direção da cena, porém, muito ao contrário da outra expressão teatral, praticamente todo o texto e a maioria de seus movimentos serão resultado de seu ato criativo, conferindo, em especial, a originalidade ao espetáculo.

Chegamos então ao ponto a que me proponho e que foi tema de uma discussão no workshop: A espontaneidade do ator convencional e do ator de improviso.
Efetivamente, a espontaneidade resulta de uma interação que acontece durante o ato cênico e onde, de certa forma, todos os participantes dessa interação, ou seja, equipe teatral e/ou platéia, funcionam como co-criadores.

Nessa linha de pensamento, acredito que um ator convencional, juntamente da equipe e da direção, pode ser espontâneo e criativo durante o processo de desenvolvimento do espetáculo e seus ensaios. Entretanto, as apresentações posteriores a esse processo, não constituem mais um momento criativo e sim reprodutivo. Reproduz-se o resultado do que foi ensaiado e decorado quantas vezes forem necessárias e sem alterações no texto ou nas marcações. A interação com a platéia se dá num nível subjetivo e indireto, não devendo interferir no ato cênico.

No teatro espontâneo, essa interação com a platéia marca especialmente o desenvolvimento da cena, podendo inclusive, eclodir um novo personagem a qualquer momento, alterando significativamente todo o rumo da historia. O ator espontâneo serve de facilitador para a criação da platéia e, sua própria criação funciona como “escada” para a espontaneidade da platéia. Sua relação é direta.

Enfim, o que marca especialmente toda essa diferença, inclusive no uso da espontaneidade, é que um ator convencional faz um espetáculo para alguém, enquanto o ator espontâneo faz um espetáculo com alguém. Esse alguém, obviamente, é a própria platéia com tudo que as pessoas que a compõem carregam de suas histórias, desejos e expectativas.


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