terça-feira, 17 de maio de 2011

Caras, Caretas e Caricaturas

Olá leitor!

Hoje trarei um texto que escrevi há alguns anos, mas que continua muito atual no que se refere às atividades de Psicodrama e Teatro Espontâneo.
Há um motivo para resgatá-lo:  neste ano acontecerá em São Paulo, o IV Fórum Latinoamericano de Teatro Espontâneo, no Memorial da América Latina.  Logo mais, adicionarei o link para maiores informações.

Mas, leitor, sem mais delongas, vamos ao texto:

CARAS, CARETAS E CARICATURAS
Ralmer Nochimówski Rigoletto

 

“No peito do desafinado também bate um coração”

Já há algum tempo que observo, nas sessões de Teatro Espontâneo, que existe uma “tendência”, que podemos até mesmo considerar preconceituosa, de exagerar sobremaneira alguns tipos de personagem que surgem durante as dramatizações, quer seja como protagonista, quer seja num contra-papel ou apenas numa figuração. A esse exagero chamarei de CARICATURA.
Falei de preconceito pelo fato de que, na maioria das caricaturas, o personagem que sofre o exagero do ator, é um representante de um tipo social ou de um grupo social específico que pode ser (e na verdade, na dramatização exagerada, acaba sendo) alvo de deboche ou de crítica da parte dos demais personagens ou mesmo da platéia que está participando do Teatro Espontâneo. Em geral, esses personagens adotam um caráter simbólico que mexem nos construtos que trazemos acerca de seu exercício e existência no campo da realidade e que de alguma forma, incomoda.
As principais vítimas desse tipo de atuação são figuras religiosas (padres, freiras, pastores, pais-de-santo), figuras de autoridade (policiais, professores, pais), figuras homoeróticas e sensuais (gays, lésbicas, travestis e prostitutas), alguns tipos de profissionais técnicos, entre outros. Em todos estes casos, o aspecto que é tomado como foco do exagero por parte do ator, usa o referencial que ele aprendeu sobre o papel desempenhado, ou seja, o preconceito é social e está embutido na linguagem. O ator é o veículo do preconceito através do colóquio aprendido.
Habitualmente, a platéia reage à caricatura como se esta fosse um personagem cômico, por mais dramática que seja a cena em andamento. Os risos, entre outras manifestações, quase sempre revelam um certo desconforto pela presença daquele elemento naquela história. Mas, tanto o personagem quanto a reação que ele provoca tem a sua importância. O personagem, por trazer algum aspecto social importante de ser analisado pelo grupo em ação naquele momento. Já a reação, por vezes significa também uma quebra de tensões que estão insuportáveis. Logo, infere-se que o surgimento de uma caricatura, em dado momento, pode estar cumprindo a importante função de aliviar o teor tensional da dramatização em andamento. Cabe, no entanto, lembrar que o alívio da tensão nem sempre é benéfico. Este mecanismo pode estar a serviço das defesas grupais para que possa ser mantido o “status quo” do grupo ou de algum de seus integrantes. Cabe ao diretor notar essa sutil diferença e permitir ou não o crescimento da caricatura na cena.
Mas como lidar com o personagem caricato?
Em recente reunião / ensaio na Cia do Teatro Espontâneo, discutiu-se que a caricatura acontece em personagens que, a princípio, o ator ainda não assumiu plenamente. É um personagem que possivelmente não tem lastro nem história. Para tanto, há a necessidade de contextualizar o ator e integrá-lo ao personagem. Pensou-se em dois caminhos: Um deles, é a contracena em oposição ao personagem e o outro, a concordância, ambos num sentido de trazer o personagem puro, desprovido do preconceito e, portanto, livre da caricatura. Considera-se isso um respeito à pessoa do personagem. Na oposição, um auxiliar entra na cena para “desfazer” a máscara da caricatura, rejeitando-a na forma que se manifesta e solicitando do personagem uma reflexão mais séria quanto ao seu estar na cena e na história. Na concordância, o auxiliar atua a favor da caricatura, também prestando o serviço de trazer o personagem para um referencial no qual o ator possa apropriar-se dele. A quebra nem sempre é percebida de imediato. O que se vê é a história ganhando força novamente e um reaquecimento da cena no que tange ao conteúdo principal ou tema protagônico. Às vezes esse reaquecimento se dá pelo próprio personagem, antes caricato, agora portador da emoção ou mesmo do conflito na cena. Quando isso acontece, a atuação do auxiliar já foi cumprida e ele pode, então, deixar a cena. Deve-se lembrar que, ao auxiliar não é lícito caricaturar.
De maneira geral, a caricatura se desfaz quando o ator assume o personagem na história e retoma o foco desta, alvo do Teatro Espontâneo.
Nestas formas de lidar com a caricatura, possivelmente a platéia, que estava vivendo uma descarga tensional, reassuma o tema protagônico ou mesmo o ponto de conflito que originou a caricatura e, agora um pouco mais aliviada, tenha condições de viver a cena integralmente.
Ainda falando da platéia, cabe observar que, em grupos mais heterogêneos, podemos sempre contar com a presença de um ou mais elementos que sejam representantes reais do personagem caricaturado. Isso nos revela que também aí é necessária a atenção da equipe, evitando, se for o caso, que a caricatura assuma um teor agressivo ou depreciativo para o seu representante real e para que este não se sinta alvo de preconceito do grupo. Às vezes, um ator representa a sua realidade numa caricatura. Isso pode estar demonstrando a possibilidade de que no grupo exista foco de tensão quanto ao papel social dessa pessoa e, caricaturar o próprio papel signifique abrir espaço de aceitação pelo grupo e por si mesmo.
Por fim, é importante compreender que a caricatura é um exagero pejorativo na interpretação, partindo de um simples estereótipo para um caráter negativo e depreciativo do personagem e que acaba roubando a cena. Como estereótipo entendemos a escolha de um traço do personagem que está sendo representado, para exacerbação e conseqüente caracterização sem sombra de dúvidas e que, muitas vezes, auxilia a assunção do papel. Um exemplo disso seria o ator que interpreta um míope mantendo os seus olhos semicerrados e franzindo a testa como se estivesse com dificuldade para enxergar.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

"Entendo a psicoterapia mais como uma ajuda para que a pessoa entre em harmonia com a própria alma" 
Bert Hellinger, 1996.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Alguns apontamentos sobre a Psicoterapia Transpessoal

Olá leitor!
Hoje vou continuar minhas reflexões sobre a Transpessoalidade, discorrendo um pouco sobre ela enquanto instrumento psicoterápico.
Para falar sobre isso, inicialmente vou propor a compreensão de alguns aspectos importantes sobre Psicoterapia e para isso, vou aproveitar dos termos já utilizados e compará-la a um instrumento musical.
A primeira coisa, muito importante e necessária para tocar um instrumento, é saber fazê-lo, conhecendo o instrumento, suas partes e seu funcionamento.  Caso contrário, só se faz barulhos e dissonâncias, geralmente com sonoridade desagradável para aquele que escuta; além de se correr o risco de quebrar o mesmo.
Devo dizer que assim também ocorre com a Psicoterapia: é um instrumento delicado, que se não for utilizado adequadamente, oferece uma grande possibilidade de prejudicar, ao invés de ajudar; assim como a prática propriamente dita pode sofrer sérias distorções e, com isso, tornar-se um instrumento danificado.
Também é necessária uma boa afinação do instrumento, para que o som se faça límpido, cristalino.  No caso da psicoterapia também. Essa afinação se dá através do estudo e aprimoramento contínuo do psicoterapeuta, tanto no campo intelectual - no que diz respeito ao conhecimento e utilização da técnica - quanto no campo pessoal, submetendo-se ele mesmo, ao acompanhamento de suas questões e buscando sua própria expansão de consciência, neste caso, fazendo psicoterapia ou supervisão.
Como sabe, leitor, diferentes instrumentos oferecem diferentes sons e timbres. Mas todos, desde que bem tocados, oferecem belas melodias. Vamos associar este aspecto às diferentes abordagens em psicoterapia. São diferentes instrumentos que oferecem recursos àqueles que as buscam e podem sentir mais afinidade por esta do que por aquela.  Desde que seja bem conduzida, oferecerá bons resultados.
Ah, sim! Um ponto importante: Para tocar qualquer instrumento, o músico ou instrumentista precisa necessariamente conhecer MÚSICA.  Na psicoterapia, portanto, há também uma base geral, para todas as diferentes abordagens, que é a PSICOLOGIA.

Isto tudo colocado, acredito que possamos agora focalizar o assunto na Psicoterapia Transpessoal. O que acha leitor?
Então vamos lá.
Como mencionei no post anterior, o foco da Transpessoal é a expansão da consciência, através da qual as pessoas têm a possibilidade de, amorosamente, mudar, transformar, criar, construir.  Note amigo leitor, que todos os verbos representam ação.  Tendo esse foco, o psicoterapeuta transpessoal utilizar-se-á de diferentes recursos para auxiliar o seu cliente/paciente a alcançar esse estado que favorece uma ação consciente e construtiva.
Falar dos diferentes recursos é muito delicado.  Aqui também é necessário considerar questões como a afinidade e o preparo do psicoterapeuta para a utilização de técnicas específicas, que vão desde o diálogo - orientado dentro da concepção transpessoal da existência humana - até as técnicas específicas de respiração, relaxamento, vivências xamânicas, dramatizações, regressões, arte terapia, musicoterapia, dança, meditação..., enfim, uma enorme quantidade de "peças musicais" que podem ser executadas neste instrumento.
O que?  Você quer entender melhor o que significa expansão da consciência?  Bem, simplificando bastante, isso se dá quando a sua visão e percepção acerca das coisas, dos fenômenos, dos seres, da vida e especialmente de si mesmo, fica ampliada, permitindo entrar em contato com o objetivo e missão de cada um desses aspectos dentro da Criação. É o contato e conhecimento de si enquanto "ser integral" e da energia que se coloca em movimento nesse processo, que é o amor.

Não faça essa cara leitor! Parece muito grandioso, mas não é! Um dos pontos que a Psicoterapia Transpessoal privilegia é a possibilidade de nos tornarmos observadores de nós mesmos. E quando isso acontece, encaramos nossa "sombra" e nossa "luz", permitindo buscar a superação daquilo que não nos serve, bem como, saber tudo o que precisamos colocar em prática para construir uma vida melhor, para si mesmo, para os outros (direta ou indiretamente) e, consequentemente, para o mundo. 
Lembre-se leitor amigo: todos nós estamos aqui por algum motivo, além de termos a mesma origem e a mesma finalidade  (independente de crença ou religião - isso é fato).  Quando a consciência disso acontece, tomamos contato com a nossa "missão", que de certa forma, envolve amorosamente a tudo e a todos. Por isso acreditamos na possibilidade de um mundo melhor.  Também é por isso que a Transpessoal acolhe para seu campo de atuação tantas práticas e técnicas diferentes. 
Não pense leitor, que a Psicoterapia Transpessoal é uma abordagem mágica ou divina, que objetiva transformar "homens em anjos". De fato, o caminho é árduo: olhar de verdade para si mesmo é quase sempre um processo doloroso e demorado até que se consiga vencer todas as armadilhas do ego. Para tanto, requer coragem e determinação e, como toda construção, se faz assentando tijolinho sobre tijolinho.  
Bom trabalho!