Olá Leitor! Aqui estou , depois de uns tempos de silêncio
e reflexões, para tratar de um tema que tem me circulado há algum tempo. Hoje, no entanto, vivi uma situação que me
inspirou, enfim, a escrever este texto.
Fui tomar um café, na cafeteria
de um movimentado posto de gasolina, em Campinas e onde tenho ido com certa regularidade. Sempre fui atendido pelas baristas com
presteza, gentileza e simpatia. O ambiente físico do café é muito clean. Compõe-se , na parte inferior,de quatro
mesas altas com duas banquetas cada uma e mais três mesas com sofá para quatro
a seis pessoas cada, em estilo norte americano, tudo isso envolvendo em formato
de “L” ao balcão de serviços, vitrines e cozinha. Para chegar até ele, passa-se
pela área da loja de conveniência onde, ao final encontram-se as escadas que
vão aos salões de baixo, onde fica o referido café e o de cima. Não vou
descrever a parte superior, pois a cena que vou contar transcorreu neste
ambiente que acabei de apresentar.
Encontrava-me sentado à mesa com
sofá, no vértice do “L”, quando três pessoas, duas senhoras e um senhor, todos
na faixa dos 60 ou mais anos, chegaram.
As outras mesas também estavam ocupadas. Apenas uma das banquetas altas
estava desocupada.
Gentilmente ofereci o lugar que
ocupava ao pequeno grupo e me desloquei para a banqueta à frente.
Seguiu-se o tempo,
normalmente. Cada qual, dentro daquele
ambiente fazendo o que lhe interessava: tomando café, conversando, lendo,
trocando mensagens, enquanto as funcionárias cuidavam de seu serviço que, neste
momento, consistia em lavar a louça. Essa ação teria me passado desapercebido,
não fosse pelo rompante e estrondoso grito do senhor que ocupava a mesa que
cedi: “QUE BARULHO INFERNAL! SERÁ QUE VOCÊS NÃO SABEM TRABALHAR EM SILÊNCIO?
FICAM INCOMODANDO TODO MUNDO. ISSO AQUI ESTÁ PARECENDO A (falou o nome de uma
confeitaria que fica localizada na diagonal dessa cafeteria)”.
Esse troado assustou a todos no
café, mas, acredito que por uma reação quase reflexa, alguns outros clientes
riram brevemente.
As funcionárias, desconcertadas e
humilhadas se entreolharam e baixaram a cabeça, continuando seu trabalho, sendo
que, do canto do olho de uma delas, percebi uma lágrima descendo.
Observador por natureza e por
profissão, consegui captar minúcias dessa cena que, acredito, poucos ali
conseguiram notar ou mesmo valorizar.
Havia acontecido, entre cafés, leituras e conversas, um crime de
desrespeito, de assédio moral. Um ser humano havia sido ferido pela grotesca fala
de outrem.
Não sou dado a atos heroicos, mas
aqueles que me conhecem sabem o quanto me incomodo com as injustiças. O meu café literalmente “entalou” na garganta
enquanto meu cérebro se pôs a trazer centenas de hipóteses acerca do
ocorrido. Voltei o foco para a mesa da
ponta, onde estava o grupo, rindo e conversando frouxamente após o estrondo. Nem parecia que dali tinha saído uma rajada de
rispidez e grosseria tão intensos.
Apurei meus sentidos de observação e vi, quando a funcionária deixou o
posto e foi para a loja, fora do café, enquanto uma terceira veio ficar em seu
lugar. Dentro das variadas hipóteses que
pensei, estava a possibilidade daquele homem ser o dono do espaço. Mesmo assim, não justificava a forma como
advertiu as moças pelo dito barulho.
Tratei de buscar a confirmação dessa tese e, na verdade tratava-se de um
cliente, assim como eu e os demais.
Aqui inicio minha reflexão sobre
respeito humano e fraternidade. Disse no
início que o assunto me ronda há tempos, sempre em situações muito semelhantes,
onde há um prestador de serviços e alguém que é o cliente ou o alvo desse
serviço. Alguma coisa acontece e o
funcionário é humilhado. Certa vez, estava
eu com um grupo de pessoas num restaurante onde um senhor toca violão e canta,
indo de mesa em mesa. Algo bastante
tradicional das cantinas italianas do Bixiga,em São Paulo, desta vez, porém,
numa pizzaria em Campinas. Uma das
pessoas da mesa mandou chamar ao gerente e teceu uma série de comentários e reclamações
absurdas sobre o cantor. Destratou-o
quando veio à mesa e depois ainda despejou uma série de impropérios entre os comensais
acerca alguém que estava realizando o seu trabalho. Nessa ocasião, entristeci e calei. Assim como em outras tantas que vi acontecer e
também entristeci e calei, pois me fere perceber o mundo como um lugar onde
seja tão difícil fazer uso do respeito pelo outro, especialmente quando esse
outro apenas e tão somente está realizando seu trabalho. Entristeço ao ver como pessoas que são intelectualizadas,
cultas, viajadas, criadas num referencial moral cristão (como é o caso da
maioria de nós) e que se dizem educadas, conseguem humilhar o próximo sem a
menor dor na consciência.
Entendo que somos todos seres em
evolução, desde o mais humilde ao mais letrado, desde o mais carente ao mais
abastado, todos, indistintamente na mesma condição de aprendizes e transeuntes
do tempo que chamamos contemporaneidade.
Essa condição “transeunte” não condiz
com os preconceitos, as diferenças, as classificações (quando usadas no sentido
de exaltação/humilhação), mas faz perceber que se hoje estou numa determinada
condição, amanhã poderei ocupar o papel oposto.
E essas mudanças tem se processado tão rapidamente que num piscar de
olhos você se vê na situação ou condição à que criticava, rechaçava ou
humilhava. Tantos ensinamentos antigos e
exemplos atuais mostram isso!
Enfim, todos cantam e declamam a
fraternidade, pedem a fraternidade, pregam a fraternidade, mas, em pequenas
situações ferem seus princípios e mostram uma segregação que não pode mais ter
lugar em nosso mundo.
Fraternidade, palavra que
significa irmandade, nos coloca frente a frente com a realidade de que somos
filhos de um mesmo Criador, independente da religião que se professa, da
orientação sexual a que o desejo responde, da posição econômica ou profissional
que se ocupa. Fraternidade implica efetivamente ver o outro
como igual, criado igual e com igual destinação. Transeunte como eu, desta vida, deste momento,
talvez em condição material diferente, mas não diferente nas aspirações de
felicidade. Logo, entendo que todos,
indistintamente, são merecedores do mais profundo respeito pela coragem e
ousadia de serem transeuntes buscadores da felicidade. São
irmãos no caminho, na existência, nesta escola onde, hora aprendemos, hora ensinamos.
Nesta condição, somos todos merecedores de respeito e igualmente responsáveis
por ofertá-lo ao próximo. Quando isso
não acontece, estamos falhando no nosso princípio mais básico, mais natural que
diz que pertencemos a uma mesma espécie: HUMANA.
Pois é, Leitor. Assisti a mais uma cena onde a gente se
envergonha de ser humano. Cena simples,
corriqueira. Mas uma cena dessas que
mostra que se ainda não conseguimos tratar uma funcionária de café como igual,
com o respeito que merece, como pretendemos superar as guerras, os
fratricídios,os genocídios, a fome, os preconceitos?
Dessa vez, considerei que
entristecer e calar não ajudaria. Tentei esclarecer, fazê-lo perceber que fora
muito agressivo e desrespeitoso. A receptividade
do pequeno grupo, como de se esperar, foi péssima. O desenrolar dessa história
não foi um “barraco”, como muitos possam imaginar, embora toda a cena e ele,
particularmente, conspirassem a favor disso. Num lampejo, lembrei que, apesar
de desconectado do sentimento fraterno, também aquele homem é um transeunte, um
aprendiz, merecedor de respeito. Minha forma de respeitá-lo, naquele momento,
foi silenciar e seguir meu caminho, esperando que ele e suas companheiras reflitam
e entendam o que aconteceu e como aquilo afetou a todas as pessoas que ali
estavam.
Meu coração se acalmou quando, ao
terminar de pagar minha conta, as funcionárias do café, inclusive aquela cuja
lágrima correu, me ofereceram seus sorrisos, não só dos lábios, mas dos olhos e
do coração, sorriso de irmãs que se viram reconhecidas na fraternidade e
respeitadas. Uma delas disse “muito obrigado!”, acho que pelo pagamento da
minha conta... Não sei. O que sei,
Leitor, é que não sou dado a atos heroicos, embora as pessoas que me conhecem
saibam que não gosto de injustiças. Se de alguma forma consegui fazer aquelas
moças se sentirem respeitadas, pertencentes à nossa condição humana e fraterna,
se de alguma forma o agressor refletir e não mais fizer isso, se ele um dia se
integrar a essa grande irmandade que todos somos, ajudei um pouquinho o mundo a
chegar mais perto daquilo que consideramos ideal pra sermos felizes.
Muito pertinente, real, e atual seu comentário, afinal estamos diante da necessidade de cada vez mais sermos ouvidos e especialmente acolhidos ...Parabéns pelo Post !!! Orgulho total !!
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